Esse é um tema antigo e que custa achar solução. A má distribuição da terra
no Brasil tem razões históricas, e a luta pela reforma agrária envolve
aspectos econômicos, políticos e sociais. A questão fundiária atinge os
interesses de um quarto da população brasileira que tira seu sustento do
campo, entre pequenos agricultores, pecuaristas, trabalhadores rurais e os
sem-terra. Montar uma nova estrutura fundiária que seja socialmente justa e
economicamente viável é um dos maiores desafios do Brasil. Na opinião de
alguns estudiosos, a questão agrária está para a República assim como a
escravidão estava para a Monarquia. O país se libertou quando tornou os
escravos livres, e quando não precisar mais discutir a propriedade da terra,
terá alcançado nova libertação.
Por todo seu privilégio territorial o Brasil jamais deveria ter o campo
conflagrado. Existe mais de 371 milhões de hectares prontos para a
agricultura no país, uma área enorme, que somadas, equivale aos territórios
da França, Alemanha, Argentina e Uruguai, mas só uma porção relativamente
pequena dessa terra tem algum tipo de plantação. Cerca da metade destina-se
à criação de gado, o que sobra é o que os especialistas chamam de terra
ociosa. Nela não se produz 1 litro de leite, uma saca de soja, laranja, ou,
um cacho de uva.
Por trás de tanta terra à toa esconde-se outro problema agrário brasileiro:
até a década passada, quase metade da terra cultivável ainda estava nas
mãos de 1% dos fazendeiros, enquanto uma parcela ínfima, menos de 3%,
pertencia a 3,1 milhões de produtores rurais. Em comparação com os vizinhos
latino-americanos, o Brasil é um campeão em concentração de terra, não sai
da liderança nem se comparado com países onde a questão é explosiva, como
Índia ou Paquistão. Juntando tanta terra na mão de poucos e vastas extensões
improdutivas, o Brasil montou o cenário próprio para atear fogo ao campo. É
aí que nascem os conflitos.
O problema agrário brasileiro começou em 1850, quando acabou o tráfico de
escravos e o Império, sob pressão dos fazendeiros, resolveu mudar o regime
de propriedade. Até então, ocupava-se a terra e pedia-se ao imperador um
título de posse. Dali em diante, com a ameaça dos escravos virarem
proprietários rurais, deixando de se constituir num quintal de mão-de-obra
quase gratuita, o regime passou a ser o de compra, e não mais de posse. Como
bem diz o professor José de Souza Martins da Universidade de São
Paulo, *“Enquanto
o trabalho era escravo, a terra era livre. Quando o trabalho ficou livre, a
terra virou escrava”. *Na época, os Estados Unidos também discutiam a
propriedade da terra, só que fizeram exatamente o inverso. Em vez de impedir
o acesso à terra abriram o oeste do país para quem quisesse ocupá-lo, só
ficavam excluídos os senhores de escravos do sul. Assim, criou-se uma
potência agrícola, um mercado consumidor e uma cultura mais democrática,
fundada numa sociedade de milhões de proprietários.
Em países da Europa, da Ásia e da América do Norte, impera a propriedade
familiar, aquela em que pais e filhos pegam na enxada de sol a sol e
raramente são assalariados. Sua produção é suficiente para o sustento da
família e o que sobra, em geral, é vendido para uma grande empresa agrícola
comprometida com a compra dos seus produtos. No Brasil, o que há de mais
parecido com isso são os produtores de uva do Rio Grande do Sul, que vendem
sua produção para as vinícolas do norte do Estado. Em Santa Catarina os
aviários são de pequenos proprietários. Têm o suficiente para sustentar a
família e vendem sua produção para grandes empresas, como Perdigão e Sadia.
As pequenas propriedades são tão produtivas que no Brasil, boa parte dos
alimentos veem dessa gente que possui até 10 hectares de terra. Dos donos de
mais de 1.000 hectares sai uma parte relativamente pequena do que se come.
Ou seja, eles produzem menos, embora tenha 100 vezes mais terra. Ainda que
os pequenos proprietários não conseguissem produzir para o mercado, mas
apenas o suficiente para seu sustento, já seria uma saída pelo menos para a
miséria urbana.
A política de assentamentos não é uma alternativa barata. O governo gasta
até 30.000 reais com cada família que ganha um pedaço de terra. A criação de
um emprego no comércio custa em média 40.000 reais, na indústria 80.000, só
que esses gastos são da iniciativa privada, enquanto, no campo, teriam de
vir do governo. Ou seja, é investimento estatal puro, mesmo que o retorno,
no caso, seja alto. De cada 30.000 reais investidos, estima-se que 23.000
voltem a seus cofres após alguns anos, na forma de impostos e mesmo de
pagamentos de empréstimos adiantados. Para promover a reforma agrária em
larga escala, é preciso muito dinheiro. Seria errado, contudo, em nome da
impossibilidade de fazer o máximo, recusar-ser a fazer o mínimo. O preço
dessa recusa está aí, a vista de todos: uma urbanização selvagem, uma
crimininalidade crescente, degradação, e atos de banalismos.
*Fabiane Paes de Barros Arguello
Advogada,formada pela Universidade do Ribeirao Preto -SP,especialista em
Direito do Estado,Direito Constitucional ,Direito Minerais e Relacoes
Economicas Internacionais*
*Mattiuzo e Melo Oliveira Advocacia*
*http://www.mmo.adv.br/*