Embora a Petrobrás afirme que não há risco de interrupção no fornecimento de gás natural da Bolívia, está em elaboração no Ministério de Minas e Energia um plano de emergência para o caso de faltar o combustível. As diretrizes principais, elaboradas em conjunto com representantes dos Estados e do setor, devem ficar prontas em 60 dias. O objetivo é evitar que os consumidores residenciais e comerciais sejam atingidos e também dividir o ônus de forma eqüitativa entre as distribuidoras. Nesse sentido, o corte teria de ser absorvido, sobretudo, pelas indústrias e, possivelmente, pelos donos de veículos a gás.
A idéia de um plano de contingenciamento surgiu no começo da crise política na Bolívia no final de 2004, início de 2005. No entanto, o pontapé inicial aconteceu mais de um ano depois, quando em abril de 2006 houve o rompimento de um duto da Petrobrás naquele país provocado pelas chuvas e a estatal teve dificuldades de acesso à região, por causa das manifestações que bloqueavam as estradas.
O susto de abril resultou na criação de um grupo de trabalho composto por representantes do ministério, da Agência Nacional do Petróleo (ANP), da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar), do Fórum de Secretários de Energia e de associações do setor. Agora, menos de quatro meses depois, protestos de índios guaranis reacenderam a necessidade de concluir os trabalhos. O secretário de Energia Elétrica do ministério, Ronaldo Schuck, confirma que o plano será concluído em 60 dias.
Desde domingo, os índios ocuparam uma estação de controle do gasoduto da Transierra, consórcio que tem como sócios a Petrobrás, a hispano-argentina Repsol-YPF e a francesa Total. Os índios querem US$ 9 milhões para ser aplicado em melhorias na região, conforme compromisso que havia sido assumido pela empresa. A ameaça é fechar uma válvula do duto, interrompendo a exportação de 11 milhões de metros cúbicos diários de gás natural ao Brasil.
Apesar de o plano ainda não estar pronto, o grupo já tem algumas diretrizes definidas. A primeira é o critério para acionar o contingenciamento. Uma fonte ligada às discussões explica que a decisão caberá à ANP, dentro de limites preestabelecidos. O corte no fornecimento só faria sentido em casos graves – como o fechamento de uma válvula, ou o rompimento de um duto -, que não possam ser solucionados de imediato. Isso porque existe um estoque pequeno no próprio gasoduto suficiente para o abastecimento de um a três dias, dependendo de condições de pressão e consumo.
Detectado o problema, seriam adotadas algumas medidas pré-contingenciamento, semelhante ao ocorrido em abril. Neste caso, a primeira a ser atingida é a Petrobrás, que teria seu consumo próprio cortado, já que nas refinarias é possível substituir o gás natural por outros combustíveis. Também as termoelétricas deixariam de ter o suprimento despachado. Somente funcionariam aquelas cuja interrupção poderia causar prejuízo ao sistema elétrico.
Esgotadas essas medidas, o fornecimento às distribuidoras passaria por um corte, com redução porcentual rateada entre as concessionárias dos Estados das Regiões Sudeste e Sul, além de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Este último, com consumo concentrado na geração térmica. A restrição a estas regiões deve-se ao fato de o restante do Brasil não estar interligado por gasodutos.
Os integrantes do grupo deixam claro que o plano não é específico para um possível problema com a Bolívia e pode ser aplicado em qualquer ponto do País. Mas é claro que pesam as constantes crises com o país vizinho, resultantes do processo de nacionalização das reservas de petróleo e gás. Da Bolívia vêm 60% dos 45 milhões de metros cúbicos diários de gás natural consumido hoje no Brasil.
Depois de definido o porcentual de redução no fornecimento a cada distribuidora, os cortes aos consumidores seriam estabelecidos em cada Estado pelo órgão regulador ou, quando este não existir, pela Secretaria de Energia. Como parâmetro geral, consumidores residenciais e comerciais devem ser preservados. Já o tamanho do impacto na indústria e no abastecimento dos postos será uma decisão do governo estadual.
O secretário de Energia do Rio de Janeiro, Wagner Victer, por exemplo, tem declarado que garantirá o fornecimento do Gás Natural Veicular (GNV). Em São Paulo, não existe a garantia de abastecimento dos carros, mas 80% do consumo está concentrado na indústria, muitas com equipamentos que aceitam mais de um combustível e seriam as primeiras a ter o abastecimento cortado.
Ainda não foram feitas simulações para saber qual porcentual de redução na oferta de gás natural poderia ser suportado sem grandes traumas. Estima-se, no entanto, que em São Paulo, onde são consumidos 15 milhões de metros cúbicos por dia, um corte de 15% a 20% poderia ser administrável apenas reduzindo o consumo das indústrias bicombustíveis. A tarefa de simulação pode ser o próximo passo do grupo de trabalho.
Falta, porém, um arcabouço legal. Isso porque nenhuma medida pode ser adotada unilateralmente pelo governo federal. Para que os Estados também façam a sua parte, é preciso ter uma legislação clara que defina as obrigações e direitos de cada um. Esse trabalho está sendo elaborado pela Advocacia Geral da União, com a colaboração do grupo de entidades.