O medo de que a doença da ministra Dilma Rousseff a impeça de concorrer à sucessão presidencial em 2010 reascendeu entre a base aliada do governo a hipótese de um terceiro mandato para o presidente Lula. Uma proposta de emenda à Constituição (PEC), de autoria do deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), que viabilizaria mais quatro anos de governo, teve 171 assinaturas.
O deputado afirma torcer pela melhora da ministra, que foi diagnosticada com um câncer linfático em estágio inicial, mas alega que os governistas devem, sim, pensar num terceiro mandato do presidente Lula. Até o final do mês ele pretende, com ainda mais assinaturas, protocolar a PEC na Câmara. Para valer nas eleições de 2010, a proposta precisa ser aprovada até setembro deste ano.
Cientistas políticos ouvidos pelo Último Segundo, porém, não concordam com a hipótese do terceiro mandato. João Paulo Peixoto, professor de Política e Administração Pública da Universidade de Brasília (UnB), se diz contrário a qualquer proposta deste sentido. Ele observa que mandatos sucessivos prejudicam a democracia.
Além disso, segundo Peixoto, no caso do Brasil a alternância de Poder após vinte e quatro anos da redemocratização seria interessante para a história do País. “Todas as forças de oposição que lutaram de alguma forma contra o regime militar tiveram sua oportunidade de exercer o poder. Agora, estamos zerados. É hora de abrir espaço para uma nova etapa histórica para a democracia do País”, explica.
Para o cientista político Bruno Lima Rocha, editor do site Estratégia & Análise, parlamentares que propõem estes projetos estão em busca de “protagonismo”. “É tão oportunista e golpista quanto foi a emenda que permitiu a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”, relembra.
Rocha também atenta para o trauma que os brasileiros ainda têm com a morte de Tancredo Neves, primeiro presidente eleito após o fim da ditadura militar que morreu sem tomar posse. “Com a doença da ministra Dilma, atrasar a eleição pode ser uma alternativa”, analisa. “Se o PMDB apoiar o PT nas eleições majoritárias e ficar com a vice-presidência, como deve ocorrer, e a ministra Dilma vier a faltar, o PMDB irá literalmente governar o País”, prevê.
Mandato de seis anos
Na contramão das demais lideranças partidárias, Sandro Mabel (PR-GO), líder do seu partido na Câmara dos Deputados, também propõe a aprovação de um projeto que viabilizaria mais alguns anos de Lula no Poder. A proposta que ele defende coincidiria as eleições majoritárias com as municipais e, assim, prorrogaria por mais dois anos o mandato de Lula, além dos governadores, senadores, deputados federais, estaduais e distritais.
Questionados acerca da proposta do deputado Sandro Mabel, porém, os líderes foram categóricos: a proposta é inviável. “O PT é radicalmente contra qualquer prorrogação de mandato. Isso é inconstitucional. Não tem cabimento um deputado prorrogar o seu próprio mandato”, argumentou o líder do PT, Cândido Vacarezza (SP). “Isso não existe. É inviável. Falar em prorrogação é um palavrão”, afirmou o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN).
O deputado Vitor Penido (MG), mesmo sendo filiado ao DEM, partido de oposição a Lula, é um dos parlamentares que endossam a ideia de Sandro Mabel, mesmo que ela implique na prorrogação do mandato do atual presidente. “É inegável que 80% da população estejam satisfeitos com o presidente Lula. Não sou eu que está dizendo, é o povo”, alega.
O líder do seu partido, Ronaldo Caiado (GO), entretanto, não tem o mesmo pensamento. Ao saber da proposta de Sandro Mabel, respondeu: “fico até constrangido de ouvir que um deputado tenha coragem de fazer uma proposta dessas”.
Opinião popular
A exemplo do deputado Jackson Barreto, os deputados Devanir Ribeiro (PT-SP) e Carlos Willian (PTC-MG) tentaram emplacar ideias para prorrogar o tempo do presidente Lula no governo. Devanir queria promover um plebiscito para perguntar à sociedade se Lula deveria ter ou não mais um mandato. Willian previa fim da reeleição e mandatos únicos de cinco anos. Para o deputado, ao mudar as regras do jogo, Lula poderia concorrer uma nova vez. Ambas as propostas não foram levadas a diante por falta de apoio no parlamento.
O deputado Henrique Fontana (RS), líder do governo na Câmara, é um dos porta-vozes do presidente no Congresso sobre o assunto. Ele acredita que esta ideia deve ser pensada apenas em se tratando da continuidade do governo do PT, e não do presidente Lula em si. “Nós apoiamos o terceiro mandato, mas o terceiro mandato do PT. E nossa candidata é a ministra Dilma”, afirma.
Para que a proposta de Jackson Barreto, Sandro Mabel e Vitor Penido entrasse em vigor, seria preciso que Câmara e Senado aprovassem e que o povo referendasse a mudança a partir de um plebiscito.
Apesar de os grandes institutos de pesquisa não terem feito até o momento pesquisas acerca de um possível terceiro mandato, a população tem se mostrado satisfeita com a atual governo, que circula entre os 80% de aprovação.
Na última pesquisa CNT/Sensus, divulgada no final de março, por exemplo, mesmo com Dilma Rousseff se firmando no imaginário popular como a candidata de Lula, o presidente liderava com 16,2% as intenções de votos na pesquisa espontânea, contra 8,8% do governador de São Paulo, José Serra (PSDB) e 3,6% da ministra.
Mas, em contrapartida a propostas de parlamentares e pesquisas de opinião, o presidente Lula nega ter interesse no assunto. Todas as vezes que foi confrontado com o tema, negou que tivesse tal pretensão. A mesma resposta ele deu esta semana, na China. “Eu não discuto esta hipótese [de terceiro mandato] Primeiro, porque não haverá um terceiro mandato, e segundo, porque ela [a ministra Dilma] está bem”, disse.
U.Seg