Como a maioria das meninas de 15 anos, Vivi passa bastante tempo em sites de relacionamentos e salas de bate-papo da internet, nos quais conversa com amigos e conhece pessoas novas, nem sempre bem-intencionadas, como o fotógrafo Lipe.
Com o codinome “ombro amigo” e fingindo ser bem mais jovem, o pedófilo atraiu a confiança da garota, conquistou livre acesso à casa dela e, com a falsa promessa de realizar um teste fotográfico de moda, violentou-a em um matagal.
A história, parte da novela “Chamas da Vida”, da “Rede Record”, infelizmente, é mais comum do que se imagina. O ator André di Mauro, que interpreta Lipe na trama, conta que ficou preocupado com a repercussão do personagem. Afinal, não é sempre que uma novela toca em assunto tão forte.
“A mídia está em cima disso e a novela só reforça, pois tem um impacto maior. O público se envolve com a história. Há relatos de psicanalistas que, desde que a novela está no ar, têm recebido pacientes novos, que tomaram coragem de denunciar e de se tratar”, conta o ator.
“É como a cleptomania”, compara Thiago Tavares, presidente da organização não-
governamental (ONG) SaferNet Brasil, que recebe denúncias de pedofilia na internet. “No caso da cleptomania, o furto é o crime. Na pedofilia, o crime é colocar o desejo sexual por crianças em prática”.
Segundo a psiquiatria, o transtorno geralmente começa na adolescência, embora alguns pedófilos relatem não terem sentido atração por crianças até a meia-idade, e é algo crônico. A psicóloga Daniela Pedroso, que coordena o atendimento a mulheres e crianças vítimas de violência sexual do hospital Pérola Byington, em São Paulo, acrescenta que o agressor é
geralmente alguém próximo, como pai ou padrasto. “Crianças não sabem nomear o abuso.
Essa pessoa, que deveria fornecer coisas boas, um dia começa a fazer um “carinho” diferente. Em troca, dá um doce ou faz ameaças.” O Pérola Byington atende cerca de 14 casos por dia – 43% deles de crianças de até 11 anos.
A nadadora Joanna Maranhão, após anos de terapia, resolveu contar, em fevereiro deste ano, que sofreu abuso sexual do ex-treinador dela, Eugênio Miranda, aos 9 anos. “Sabia que era algo errado, mas não pensava: “Estou sendo molestada, e agora, o que faço?””, disse, à Folha Universal.Nas últimas semanas, mais casos de violência sexual contra crianças chocaram o País – só em Curitiba (PR) quatro meninas foram abusadas e mortas, como Raquel Genofre, de 9 anos, achada numa mala. Os crimes sexuais, porém, ainda são os menos notificados no mundo.
Estima-se que apenas 10% dos abusos envolvendo crianças sejam denunciados. Segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), as denúncias de abuso infantil cresceram 12,5% de 2007 para 2008. Uma pesquisa da ONG SaferNet Brasil revelou que, entre 2006 e 2007, houve o registro de 20 mil páginas da internet criadas para divulgar pornografia infantil. Este ano, o número aumentou. “Já recebemos mais de 1,5 milhão de denúncias sobre 70 mil páginas”, diz Tavares, que também integra a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia no Senado Federal, que criou uma lei que fecha o cerco aos pedófilos,
aumentando as penas de 2 a 6 anos de reclusão para 4 a 8 anos. Além disso, passa a ser crime a posse de material pornográfico com conteúdo infantil. A lei anterior punia apenas quem produzia, vendia, divulgava ou publicava esse tipo de conteúdo. “Mas o que acontece quando esse cara sair da prisão? Tratam o pedófilo só como assunto de polícia, mas é um doente. Quando sair, se não for tratado, vai fazer de novo”, questiona Sander Fridman, psicanalista e psiquiatra forense.
Fridman, como muitos psiquiatras e promotores, defende a castração química. A técnica é adotada na Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra, e prevê a aplicação periódica de um hormônio para inibir o desejo sexual. Estudos mostram que a adoção do método diminuiu a reincidência entre pedófilos de 75% para 2%, mas a medida divide opiniões. Em um hospital na Grande São Paulo, a técnica é usada em voluntários, mas o psiquiatra que criou o serviço, Danilo Baltieri, se nega a falar com a imprensa por ter sido chamado de nazista.
Se, de um lado, a barbárie aumentou, de outro a preocupação das autoridades, mídia e da própria sociedade também cresceu. A Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público, fez duas operações só este ano, Carrossel I e II, que identificaram mais de 200 pedófilos em cerca de 70 países. No final de novembro, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná ganhou um banco de DNA (material genético) que irá catalogar os suspeitos de pedofilia e estupro quando detidos. Para Fridman, ainda é pouco: “É preciso estudar a mente do pedófilo para traçar o melhor tratamento”.
Andrea Dip e Guilherme Bryan
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