quarta-feira, 04/12/2024
InícioArtigosO corte de gastos e o atraso da política brasileira

O corte de gastos e o atraso da política brasileira

Graças à informação descentralizada, é cada vez mais possível mostrar as verdadeiras mazelas do intervencionismo e do atraso brasileiro.

Por Bruno Musa*

O pacote de “cortes de gastos” finalmente foi anunciado, e confesso que já sentimos saudades dos tempos em que o governo adiava este anúncio, ciente de que sua divulgação seria mais prejudicial do que a catástrofe que tentava evitar ao não anunciá-lo.

O objetivo aqui não é revisar o que foi dito, pois isso já está amplamente explicado por várias fontes, inclusive por mim aqui — onde destaco que os números não batem, o corte não alcançará sequer os R$ 70 bilhões anunciados e, o mais preocupante, não aborda o cerne da questão: a redução do endividamento público em relação ao PIB brasileiro.

Estamos tratando da desindexação do salário mínimo aos pagamentos de previdência, BPC e abono salarial. Além disso, a nova fórmula de correção do salário mínimo, agora limitada a uma correção de até 2,5% acima da inflação, também não resolve o problema.

Em nenhum lugar do mundo se advoga pela correção do salário atrelada às finanças de um país. Isso deve sempre ser acompanhado por um incremento na produtividade, algo que está estagnado no Brasil há 35 anos, exceto no agronegócio, que é muitas vezes demonizado pelo governo petista.

Além disso, não se enfrenta a questão dos gastos em saúde e educação, que devem ser urgentemente desvinculados da receita líquida corrente, pois, dessa forma, o governo aumenta a arrecadação via impostos e, assim, também eleva os gastos, comprimindo cada vez mais as despesas discricionárias (não obrigatórias), que representam apenas 5% do orçamento total. Deste montante, pouco mais de R$200 bilhões, ainda temos que arcar com as emendas estimadas em R$50 bilhões por ano — uma situação insustentável.

Sem enfrentar os problemas, o governo ainda anunciou, em uma clara derrota de Haddad, a isenção de IR para quem ganha até R$5 mil, financiada por um aumento de impostos sobre aqueles que ganham mais de R$50 mil por mês.

Ignorando dados empíricos e experiências internacionais, o PT continua com a ideia de taxar “super ricos”, uma medida que mais de 30 países adotaram nos últimos anos, mas a maioria abandonou. Atualmente, cerca de apenas cinco países mantêm essa política equivocada.

Os ricos simplesmente transferem seu capital para fora do país, e o tiro sai pela culatra. Foi o que aconteceu em 2012 com o governo de esquerda de François Hollande na França, que reverteu a medida em 2014, apenas dois anos após sua implementação, pois a receita obtida foi uma fração do déficit do país, em torno de 0,1%, e muitos deixaram o país, levando consigo capital e empresas.

Diante disso, o dólar atingiu R$6,10, e a curva de juros futuros já projeta uma SELIC acima de 14% em 2026. Se não lidarmos com isso, a inflação poderá se tornar inercial, colocando em risco o Plano Real, que trouxe certa estabilidade monetária ao país nos últimos anos. Bem-vindo à visão de mundo petista.

O PT mantém-se enraizado em sua mentalidade operária e sindicalista das décadas de 1980, mas não percebeu — ou se recusa a aceitar — que a sociedade brasileira e, consequentemente, a economia mudaram para um modelo de consumo muito mais voltado para serviços.

Os serviços já representam quase 60% da economia nacional, e nesse modelo ocorre uma mudança na forma de organização, trabalho e busca por novos modos de vida.

As demandas da classe trabalhadora hoje em dia não se assemelham às dos anos 1980, quando os trabalhadores queriam sindicalizar-se e serem regidos por um regime trabalhista rígido, acreditando que os custos eram arcados pelos empregadores, não por eles próprios, os empregados.

Com o tempo, esse entendimento mudou, e a maioria agora deseja mais flexibilidade, escolhendo quando e como gerar sua renda, em vez de ser o Estado — que não é uma entidade abstrata, mas um grupo de burocratas de plantão — a decidir o que é ou não bom para eles e suas famílias. Assim, impostos abusivos e a falta de flexibilidade não fazem mais sentido.

Isso foi amplamente demonstrado em uma pesquisa do Uber e Ifood, onde 91% dos colaboradores disseram não querer mais um sindicato para representá-los, muito menos serem regidos pela CLT, criada em 1º de maio de 1943 pelo ditador Getúlio Vargas.

Outro episódio que ganhou atenção nacional foi a de trabalhadores formando filas para informar aos sindicatos que não desejavam mais sustentá-los. Isso ocorreu porque o PT alterou a regra da reforma trabalhista do ex-presidente Michel Temer, que havia tornado a contribuição sindical opcional.

Está clara a mudança na sociedade e seus anseios, mas o PT se nega a ver e, pasmem, ainda luta nos bastidores para derrubar a reforma mencionada, que trouxe mais dinamismo e flexibilidade ao mercado de trabalho.

Nos EUA, não há Ministério do Trabalho, e existe a importante negociação voluntária entre as partes (empregados e empregadores), com salário por hora. Aqui, queremos voltar aos anos 1940. Qual a chance de sucesso?

Esses pontos começam a ficar claros para a população: o governo não mais a representa, e foi uma ilusão acreditar, por tantas décadas, em suas supostas lutas por melhorias. O que realmente tem tirado as pessoas da pobreza há mais de dois séculos é o capitalismo de livre mercado, quando permitido existir.

Enquanto isso, no Brasil, vemos uma perversa engenharia política em que o Legislativo não vota as pautas necessárias para cortes de gastos sem a definição das emendas parlamentares, que lhes dão acesso a R$50 bilhões por ano. Enquanto isso, aprovam projetos que beneficiam setores próximos a eles ou que possuem fortes lobbies.

Um levantamento do Poder360 aponta que os deputados quase não votaram propostas de redução de despesas em 2023 e 2024. Além disso, nos EUA, a Suprema Corte julgou apenas 60 ações em 2024 até o momento, enquanto no Brasil foram mais de 93 mil, sendo mais de 80% delas decididas de forma monocrática.

O que temos aqui? Um Executivo que gastou demais para manter uma popularidade em queda, avesso à responsabilidade fiscal necessária para conter a inflação e, assim, aumentar o poder de compra dos mais pobres; um Legislativo que retém pautas urgentes para a sociedade enquanto sustenta bilhões de reais em seus próprios bolsos; e um Judiciário que decide 100 mil ações de forma monocrática.

Existe realmente representação popular nesse ciclo vicioso acima? O Brasil precisa reformular seu sistema político do zero.

Em meio a tudo isso, o governo precisa urgentemente cortar gastos, mas embarca na roda acima, e o pior de tudo, sem querer cortá-los.

Assim, a precificação dos ativos e dos preços nas ruas acontece diariamente, comprometendo cada vez mais a qualidade de vida e o poder de compra dos cidadãos.

A mentalidade operária dos anos 1980 permanece vigente, e todos pagamos por isso. A irresponsabilidade de alguns economistas letrados e renomados deveria ser cobrada pela sociedade, pois Lula e seu entorno sempre deixaram claro que fariam exatamente o que está sendo feito. Anos de experiência, estudos e brilhantismo econômico não foram suficientes para entender a mente do presidente? De onde exatamente veio esse voto de confiança?

Enquanto o presidente seguir dizendo que precisa ter um plano público para construir banheiros e que isso não é gasto, mas sim investimento, e que deseja IA estatal no Brasil via Telebrás, a discussão na base da sociedade se focar em aumento de impostos e trivialidades, não há a menor chance de competirmos com o mundo desenvolvido em plena transformação e diante das demandas de um mercado de trabalho concorrente e com dificuldade de encontrar mão de obra qualificada.

Enquanto a visão do presidente, que acaba por influenciar parte da sociedade desinformada e com pouco conhecimento econômico, for a de que há um complô do “tal mercado” contra as ideias da esquerda e de seu governo (mesmo recebendo apoio de muitos deles), continuaremos retrocedendo rapidamente como país.

Lembremos que o “tal mercado” não é composto por pessoas malignas sentadas em volta de uma mesa, com capuzes pretos e planos de derrubar o PT. São milhões de agentes econômicos ao redor do mundo, incluindo pequenos investidores, precificando o risco Brasil e tomando decisões diárias sobre investir ou não aqui, e, se decidirem investir, quais preços consideram razoáveis para cobrir esse risco. Simples assim.

Por fim, graças à informação descentralizada, conseguimos mostrar cada vez mais a um grupo da população as verdadeiras mazelas do intervencionismo e do atraso brasileiro. Fica claro por que há uma obsessão em tentar censurar certos conteúdos, não é mesmo?

Acredito ser tarde demais, e a mentalidade atrasada vigente no Brasil encontra cada vez menos espaço. O caminho é longo, a luta é árdua e se estenderá por décadas, mas vemos oportunidades ao longo do percurso. Lutemos e sigamos

*Bruno Musa é economista com pós-graduação em mercado de capitais pela Universitat Autônoma de Barcelona. Também é professor de graduação no Brasil e pós-graduação na Espanha, lecionando macroeconomia. É também criador do canal “Minuto do Musa” e da BM Educa, focada em educação financeira.

Clique AQUI, entre na comunidade de WhatsApp do Altnotícias e receba notícias em tempo real. Siga-nos nas nossas redes sociais!
RELATED ARTICLES

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Please enter your comment!
Digite seu nome aqui

Mais Visitadas

Comentários Recentes