Mulheres sem uma residência fixa…
Um estudo publicado nessa segunda-feira (19/8) revelou que 53% das mulheres transexuais e travestis de cinco capitais brasileiras já sofreram pelo menos um episódio de violência sexual durante a vida. Destas, 64% foram vítimas mais de uma vez. Foram mapeadas, entre 2019 e 2021, as condições de saúde de 1.317 mulheres transexuais e travestis de Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Campo Grande (MS), Manaus (AM) e Salvador (BH). A pesquisa é da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Quase um terço das mulheres trans ouvidas pela pesquisa foi vítima logo na primeira relação sexual. A maioria não procurou serviços de saúde (93%), e não denunciou nem buscou apoio de familiares ou amigos (94%).
Mulheres sem uma residência fixa, com histórico de envolvimento em trabalho sexual e com dificuldades de acesso a serviços de saúde foram as que apresentaram maior prevalência de violência sexual. Dentre os agressores, 36% eram desconhecidos, 33% eram conhecidos da vítima e 31% eram familiares ou parceiros.
O trabalho faz parte da pesquisa TransOdara, com colaboração de diversos núcleos de pesquisa do país, financiada pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), e foi divulgado pela Agência Bori.
De acordo com pesquisas prévias, era esperado uma prevalência de violência sexual entre 30 a 40% nesta população. Por isso, o percentual encontrado, de 53%, foi surpreendente para os autores.
“Um dos resultados que nos chamou atenção foi a escolaridade, uma vez que mulheres com menos escolaridade reportaram menos violência sexual”, destaca a pesquisadora Bruna Hentges, da UFRGS, doutora em epidemiologia e coautora do estudo. A hipótese, segundo ela, é de que há uma diferença na percepção sobre o que é uma violência sexual, assim, mulheres em alta vulnerabilidade social podem não perceber que a sofreram.
Ou seja, os números encontrados no estudo podem subestimar a real prevalência da violência. “O desafio de estudar violência sexual é o estigma por trás do assunto. É possível que muitas mulheres trans entrevistadas não tenham se sentido à vontade o suficiente para compartilhar esta experiência traumática”, pontua Hentges.
Ela ressalta, no entanto, que o alto número de mulheres que não procurou nenhum tipo de ajuda institucional ou familiar, na amostra, indica que os dados do estudo podem ser mais fidedignos à realidade do que boletins oficiais.
As consequências dessa violência nesta comunidade são graves e podem levar a homicídios. Mais de 70% dos homicídios de pessoas trans acontecem em países latino-americanos, segundo organizações não governamentais que mapeiam, globalmente, a violência contra populações LGBTQI+.
O mesmo levantamento, citado pelo artigo, mostra que o Brasil foi responsável por 31% de ocorrências de homicídios de pessoas trans de 2022 a 2023.
“A prevenção eficaz dessa violência depende do desenvolvimento de políticas que abordem a transfobia, principalmente no nível institucional”, frisa Hentges. De acordo com a pesquisadora, ao revelar o contexto de vulnerabilidade de mulheres transsexuais, o estudo pode servir para orientar políticas públicas que atendam esse grupo em diferentes áreas, da educação à segurança pública.
Fonte: Metrópoles