*Cristhiane Athayde
Quem se recorda da icônica selfie sorridente tirada pelo macaco Naruto em 2011? Ele encontrou a câmera do fotógrafo David Slater em um tripé e apertou o botão. Foi atípico, mas natural o autorretrato. Assim como é para milhões de seres humanos, exceto que o clique foi feito por um animal. O que Naruto – ou ninguém – poderia imaginar é que ali se iniciaria uma história que duraria seis anos sobre direitos autorais.
David reivindicou a imagem para ele; a PETA para o simpático macaco-de-crista da Indonésia. Foram incontáveis debates internacionais, ações judiciais, falências e milhares de euros gastos envolvendo a propriedade intelectual – se era humana ou não. O julgamento acabou em um acordo entre as partes: o fotógrafo doaria 25% da renda futura gerada pelo clique para organizações que protegem Naruto e sua comunidade no país.
Eis que, mais de uma década depois da divergente selfie, uma nova discussão se inicia: quem é o autor dos conteúdos gerados pelo ChatGPT – o usuário ou o programa? Existem direitos autorais? Afinal, trata-se de um sistema de inteligência artificial (IA) que é capaz de responder perguntas de forma bastante elaborada. Desenvolvido pela empresa norte-americana OpenIA, ele produz de conteúdos a sistemas em linguagens de programação.
Debates recentes na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados apontam uma resposta no Brasil: todo produto gerado pelo ChatGPT é considerado Domínio Público. Ou seja, não há autor. Isto, pois o artigo 7 da Lei nº 9.610/98 ressalta que “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”.
A nossa legislação sobre direitos autorais considera autor a “pessoa física” criadora de obra literária, artística e científica, o que impossibilita a proteção de produtos gerados pelo sistema de IA. E a polêmica vai muito além. Se os resultados do ChatGPT são obtidos a partir do processamento de dados disponíveis na internet, os autores cujas obras foram base para a produção dos conteúdos não deveriam ser creditados?
A verdade é que, devido à complexidade do tema, há muito o que avançar sobre os impactos da inteligência artificial na propriedade intelectual. Inclusive, uma nova legislação, com diretrizes e normas, precisará ser criada e aprovada logo para tratar o tema perante essa nova realidade. Enquanto Naruto e David, em acordo, sorriem juntos, os usuários do ChatGPT permanecem com o semblante confuso e não sabem se o programa é que irá rir por último.
*Cristhiane Athayde, empresária e diretora da Domínio Marcas e Patentes