Começou com os tradicionais fogos de artifício (foto), mas o ano de 2015 vai embora deixando no planeta uma sensação de fracasso. O projeto liberal que emergiu no final da Guerra Fria, com a proposta de um mundo mais integrado e aberto, sempre parecia resistir às intempéries. Agora parece fazer água, como escreve Ross Douthat no New York Times. Terrorismo, crise econômica, protecionismo, ascensão do populismo, polarização política – tudo isso contribui para deixar o ar mais carregado. Não há como deixar de sentir os ventos de uma era menos auspiciosa.
A situação brasileira é patética. Vivemos um momento único, uma confluência de crises econômica e política sem paralelo, sintetizadas na evolução do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.Como já escrevi, há uma transformação no país equivalente às que sucederam a crise de 1929 ou a crise do petróleo nos anos 1970. O resultado ainda não está claro, mas a direção é inequívoca – um empobrecimento brutal de todos nós. Claramente, o país não encontrou liderança à altura do desafio.
Não é um acaso que o processo de impeachment tenha sido motivado pelo descalabro fiscal. O primeiro dever de um governo é zelar pela riqueza da nação. Se a Lei da Responsabilidade FIscal justifica a saída da presidente da República, caberá às instituições decidir. O que está fora de questão é o descaso com que o governo tem tratado as contas públicas. Não há sinal mais eloquente disso do que a tragicomédia montada em torno do ajuste fiscal, que transformou, em um ano, um superávit de R$ 66 bilhões (1,2% do PIB) num déficit de R$ 120 bilhões (2,1%).
O caso brasileiro é apenas um entre tantos outros países emergentes que enfrentarão doravante um caminho mais duro para crescer. China, Rússia, Turquia, África do Sul e dezenas de outras nações estão, como nós, diante de um impasse. A abundância de capital que sustentava os investimentos e a alta nos preços das matérias-primas ficou no passado. Sem saltos de produtividade, será impossível manter o nível de vida da população. Você ainda encontrará nos jornais anúncios das Casas Bahia vendendo o último modelo de iPhone. Difícil será achar quem compre.
O projeto de fronteiras mais abertas e maior integração comercial no mundo também sofreu um revés com a crise da Grécia, afundada em dívidas impagáveis, e o quase colapso do euro. O resultado do desaparecimento de R$ 14 trilhões de dólares de riqueza no planeta na crise de 2008 foi um recrudescimento dos sentimentos protecionistas e nacionalistas em toda parte.
A crise dos refugiados tomou conta da Europa e fortaleceu o discurso de populistas como o húngaro Viktor Orbán e a francesa Marine Le Pen. Mesmo nos Estados Unidos, Donald Trump lidera as pesquisas para as primárias republicanas com seu discurso anti-imigração. Num cenário polarizado, socialistas como o britânico Jeremy Corbyn ou o americano Bernie Sanders ganham um espaço jamais visto no Ocidente desde o fim da União Soviética.
O populismo também se alimenta de um outro ingrediente: o medo do terror. Os atentados em Paris, no começo e no final do ano, trouxeram o drama para a capital do Iluminismo. A ascensão do Estado Islâmico no Oriente Médio e de seu projeto islamofascista criou um ímã para a juventude muçulmana europeia deprimida e desesperançada com a crise. O Ocidente simplesmente ainda não sabe o que fazer com o problema – e basicamente não faz nada. No vácuo, cresce a influência do russo, Vladimir Putin, que nada tem de iluminista.
Apesar da fanfarra em torno do Acordo de Paris, seu efeito nas mudanças climáticas ainda é duvidoso. Nossa maior arma para evitar as catástrofes previstas pelos cientistas tem sido, paradoxalmente, a queda na atividade econômica. Mas a pobreza absoluta tem caído ano após ano – eis aí uma boa notícia. Com ela, cresce o consumo e a necessidade maior de exporação dos recursos naturais. As promessas feitas em Paris são insuficientes para resolver esse problema.
Se o terrorismo islâmico e as mudanças climáticas ainda são questões aparentemente intratáveis, nem tudo é assim. A maior arma para combatermos o desalento ainda é a democracia. Na Argentina e na Venezuela, governos populistas sofreram derrotas significativas nas urnas. É improvável que Trump ou Sanders vençam qualquer eleição nos Estados Unidos, Marine Le Pen na França ou Corbyn no Reino Unido. Nos anos adiante, não haverá recado mais claro da população mundial para seus líderes do que tirar o populismo e a demagogia da frente. Aqui no Brasil também.
G1